Carta a Nipo




Caro Nipo,



Sinto como se só agora fosse possível falar. Por todo este tempo, inimigo de estado, acreditei como impraticável uma comunicação entre nós. Parece exagero, ou mesmo fraqueza de caráter. Minha auto-condescendência me nomeia alguém que não lida bem com lembranças apaixonadas, e assim eu fico, com a melhor parte de mim. Você é um preguiçoso fadado, parado no primeiro sucesso, satisfeito por uma velha conquista. Enquanto fica aí, com seu cotidiano tedioso e açucarado, eu me arrisco a mudar. Você sabe que eu não sei viver sozinha, e mesmo assim, repetidamente me negou a entrada. Não há Spinoza que me faça compreender nosso laço. Amo-te e sinto asco. Seu mundo deixou de me encantar, mas ainda me vejo fascinada pela história de suas viagens. Não posso negar, você é um grande narrador. Mesmo na desconfiança, não houve uma única vez que desdenhei de suas aventuras. Enquanto me bronzeio, cozinhando mexilhões, ou lendo Manara. Todo olhar ao detalhe me faz lembrar do refinamento que te rodeia, e de onde isso tudo saiu, nossas longas e pausadas conversas ditadas pelo seu maldito humor. Tenho vontade de te matar, triturar seu pequeno tronco e mandar tudo pro espaço. Não posso. Sem mais.




N. P.










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