Entre ouvidos





Estou em Maceió, lugar de vento forte, areia movediça e jangadas de camarão. Por aqui, espia-se o estrangeiro de rabo de olho, e logo se percebe que o povo é reservado, servil, e certamente avesso à turbulências de espiríto.
Sentada numa mesa de plástico, de frente pro mar da Pajuçara, a Copacabana local, olho pro tempo que insiste em boiar no relógio, deslizando nos números para fugir da pressa dos ponteiros. O tempo aqui é diferente e, pelo tempo que fiquei observando, comprovo que a verificação não é devaneio de uma viajante. Os jovens estudantes de teatro que participaram das oficinas que oferecemos dentro do Projeto Palco Giratório - Pai nosso que estás no Sesc, Amém! - parecem ter mais vaidade que angústia, ilusão que noção. O tempo para eles não urge, ele espera. Bobeira, mas nesta minha passagem pelo Nordeste, que incluiu três dias nos meio-irmãos Juazeiro e Petrolina, entendi mais Lenine, Conselheiro e Dorival Caymmi. Não sei se é mesmo fingimento, mas que tem cara de paciência tem. Entre uma fiada de conversa e outra, descobri que a família Collor de Mello continua bastante atuante no estado, inclusive a inútil Rosane deu nome a um novo Conjunto Habitacional. Mariana, uma de nossas anjas, me contou que no interior, o voto de cabresto ainda é prática recorrente e que, para ela, a politica estraga Maceio. Nesse momento, nosso papo dá uma entristecida. Qual política podemos realizar de fora, e por fora, dessa política? Em semestre de eleições municipais, as ruas daqui são bombardeadas por carreatas de motos uniformizadas, músicas des-sincopadas e bandeiras lavadas com cores suspeitas. Sem poder escutar nada além da gritaria eleitoral, me pergunto se existe democracia num país que não sabe pedir licença para entrar. Vote Júlio, número 33! Vote Júlio! 33! 33! Vote Júlio! Beba Coca-Cola! Salvem as baleias! VOTE JÚLIO, NÚMERO 33! Manifestantes de partidos infiéis balançam cartazes com podres nomes de colarinho branco e, olhando pra este filme real, vejo um safado abuso de poder com uma rendada carranca festiva. Sinto raiva, sinto pena, sinto vergonha. No que tange o meu microcosmo, está tudo lindo, minha turnê esta bela, meus amigos estão felizes, tudo certo. Mas a fala de Mariana não sai da minha cabeça. Sim, Mariana, você tem razão. Só espero que você não largue suas aulas de dança...





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