Recebida ontem, às dez horas e quatro minutos.
Carta
virtual e atual
que fez da poeira jóia
toda a esquecida saudade
e admiração que me bate
na sala, no muro, na arte
num abacaxi pela metade
ao grande amigo Nabuco
que faz do corpo cidade,
transborda,
e voa
voa
ao léo.
06/05/2008
"Nunca fui leitor de O Globo. E cada vez que tomo conhecimento de fatos lamentáveis como a coluna de Arthur Xexéu na última Revista de Domingo, só coleciono motivos para não comprar, e até me orgulhar por não fazê-lo. Noto que já nem mesmo uma olhadinha dou, quando me deparo com um exemplar... num taxi ou numa sala de espera.
É que sou artista, e o caderno de cultura é a primeira coisa que leio quando compro jornal. E o Segundo Caderno de O Globo é um péssimo caderno. O Rio de Janeiro já não é muito favorecido pela sua produção e apresentação de arte contemporânea. Dessas que desafiam seu olhar e questionam o pensamento vigente; dessas que não são para todos, mas nem por isso são menos importantes. E a julgar pelo que publica o Segundo Caderno, parece que temos um quadro ainda mais precário, nada digno de uma cidade internacional e de dimensões gigantescas - e de um povo tão criativo. Já de "Espetáculo" não podemos reclamar. Somos feras em Show Business, em mostrar o que todo mundo quer ver. Orgulhamo-nos de dizer que o Rio produz o maior espetáculo da Terra.
Mas é que a arte contemporânea carioca não é tão escassa quanto parece quando se é leitor de O Globo (e vivendo no Rio você aprende a não contar com o jornal para se informar ou muito menos adquirir conhecimento). A despeito disso, existe uma comunidade artística extremamente prolífica e que luta com poucas armas por condições de trabalho, por divulgação e por público. É uma luta cruel que eu, carioca, desisti de lutar há duas semanas quando me juntei a um sem número de colegas e me mudei do Rio. Estou tentando São Paulo, e se não der, vou pra Europa viver dignamente.
Meu ponto é que a responsabilidade de um jornal como O Globo sobre esse quadro é imensa, uma responsabilidade que o jornal não cumpre. Ou cumpre mal, extremamente mal. Antes não cumprisse. O Globo não contribui para a melhoria e a diversificação do pensamento da população carioca. Ao contrário, é um jornal que nivela os leitores por baixo, que parece prezar vendas sobre qualidade. Mesmice sobre diversidade. Um imenso desserviço.
E as consequências estruturais dessa lógica de operação para a máquina da cultura carioca, num longo prazo, são drásticas. Nesse sentido, a ignorância de Xexéu é imperdoável. Vindo de qualquer "intelectual" seria apenas lamentável; mas do editor do caderno de cultura de um dos jornais mais lidos do país, é revoltante. Ainda ao saber de ex-colegas de Xexéu que ele é o tipo de pessoa que não publica nada de seus desafetos pessoais, ou publica somente para denegrí-los, preferi não acreditar.
Não esperava que ele fosse um especialista em dança, mas lendo sua coluna pude perceber que em matéria de arte contemporânea, Xexéu, se cair de quatro, não levanta.
Profundamente desgostoso, termino meu apelo. Um jornal como O Globo não pode ter um editor de tão reduzida visão e tão evidente falta de apuro com as palavras".
Em resposta a,
"A DANÇA CONTEMPORÂNEA
04/05/2008
"Não tive boas experiências com dança contemporânea. Sei que essa frase pode dar a impressão de que fui um fracasso nas minhas tentativas de ser bailarino. Não é verdade. Nunca tentei. Estou me referindo às minhas experiências como espectador. Sou daqueles que são capazes de dar um grand-jeté se, em troca, for desconvidado para assistir a mais uma experiência coreográfica no Espaço Sesc. Desisti de tentar entender qual é a graça de entrar numa sala apertada, com mais 20 pessoas, sentar numa cadeira desconfortável para ver um grupo — bem, grupo é modo de dizer; geralmente, são três ou quatro bailarinos... bem, bailarino é modo de dizer... enfim, recapitulando: três ou quatro dançarinos pelados (se é dança contemporânea, para que gastar com figurino?, devem se perguntar os coreógrafos modernos), estáticos, sentados no chão e que, a cada 15 minutos, fazem, bem lentamente, um movimento circular com o dedão do pé direito. Tudo isso sem música. Afinal, é uma experiência coreográfica. E com muito gritos. Como se grita na dança contemporânea!
Tô fora. Abro uma exceção, a cada dois anos, para a companhia de Deborah Colker. É outra história. Ali, um grupo de 15 bailarinos enche o palco. Deborah faz um espetáculo. Sua trupe escala paredes, gira em rodas-gigantes, atravessa espelhos. Sua música — sim, existe música nos espetáculos de dança de Deborah Colker! — é marcante. Seus figurinos são surpreendentes. Os elementos coreográficos que dividem o palco com ela são impactantes. E o grupo... dança!!!
Digo isso porque senti uma certa implicância por parte dos amantes da dança moderna carioca com "Cruel", a coreografia com que Deborah ocupou na semana passada o Teatro Municipal. "Cruel" não é mesmo o melhor espetáculo de Deborah — o que é muito natural numa companhia que já possui um repertório com dez espetáculos diferentes —, mas está muitos anos-luz à frente de qualquer outro apresentado recentemente pelas companhias modernas cariocas. Companhia é modo de dizer — a maioria das companhias cariocas só se forma quando tem algo para estrear.
Deborah Colker esteve em cartaz na semana passada e, mais uma vez, leu os comentários-clichê. Criticou-se a música — aí até entendo: quem elogia espetáculos sem música não pode gostar mesmo —; a frontalidade da coreografia — meu Deus, qual é o problema de bailarinos dançarem de frente para o público? —; a repetição dos movimentos... sou muito mais movimentos repetidos do que ausência de movimentos.
O verdadeiro problema de Deborah Colker é que seus espetáculos não cabem no mezanino do Espaço Sesc. Ela lota o Municipal, faz temporada de dois meses no João Caetano, dá a volta ao mundo deslumbrando platéias e demonstra, a cada apresentação, como é supérfluo o que a gente escreve sobre ela. Comentários negativos não lhe tiram um só espectador; os positivos não lhe dariam um espectador a mais. O público descobriu Deborah Colker sozinho. E não quer abandoná-la."
Artur Xexéo
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