Como nossos ídolos (a garfadas)




Não fui ao show do Bob Dylan. Eu sei que provavelmente foi A chance perdida de vê-lo ao vivo. Mesmo sendo blasé, ele mexe comigo. Foi descoberto pelos olheiros da indústria cultural, que precisavam dar uma cara institucional à geração beat. Acabou sendo cultuado e escolhido como porta-voz oficial, situação que provavelmente ainda o deixa puto.

Por conhecer o comportamento cultural do capitalismo, continuo admirando sua poesia e seu inconformismo, estes sim, genuínos e vigorosos. Subterranean Homesick Blues é destaque da minha so called trilha, e tantas outras letras me ajudaram a conhecer melhor o pensamento de sua época. Mesmo assim, tenho meus princípios. O show era absurdamente caro e eu não estou de acordo com esta lógica imoral. Não estou de acordo com a maneira que se promove cultura, elitizando o acesso e mitificando a figura do artista. Além disso, minha meta para os próximos noventa anos é aproximar o pensamento da ação; natural eu abdicar deste prazer em prol de uma afirmação política. Buscando minimizar minhas contradições, se é que isso é possível.

Enfim...

Nessa de me autoafirmar, acabei sendo fisgada pela boca da crônica. Comecei a pensar nos meus ídolos. Quem são as pessoas que eu admiro hoje. As grandes figuras do século XX me fascinam, mas todas já viraram estampa de biquíni. As idéias originais foram porcamente sub-pixeladas em protótipos corrosivos de sentido, e o que era manifesto político virou imã de geladeira. Além disso, todo o mal do pensamento yuppie e suas conseqüências econômicas tornaram inviável a esperança da idéia de uma macro revolução. O cineasta português Pedro Costa, ao ser provocado com a fatalista “E o que nos resta?”, assume que não mais confia nos professores das escolas de cinema, que esqueceram de tudo que um dia foram, mas que continua tendo fé nos jovens que “têm sede de sangue”. Tenho certeza que hoje, se eu tivesse a oportunidade de tomar uma cerveja com o Gabeira, ele me diria não ver como possível um país comunista. Qual seria a causa que o Comandante Che estaria defendendo se tivesse sobrevivido a emboscada? Será que Jim Morrison teria abandonado a mescalina e passado a tomar ectasy ouvindo minimal? John Lennon estaria manifestando no Iraque? Se o poeta não morreu, me diga pelo menos quando ele vai voltar do inferno.

Conversando com uma amiga sobre a falta de novos ícones, ela deduz que algo fundamental não é mais como na época de nossos pais. Em tom de lamúria, me diz que sente falta da nossa geração valorizar a arte do encontro fundado na afinidade de pensamento, uma vez que ela se percebe criando redes sociais a partir do afeto e da facilidade ocasional, e não necessariamente da admiração intelectual. E pergunta-se: “Por que meus ídolos estão tão distantes de mim? Por que meus ídolos não podem estar mais perto, não podem ser aqueles que estão do meu lado, trocando?”

Eu admiro meus amigos de olhos fechados, e os defendo e promovo instintivamente, como uma mãe super protetora. Deposito um profundo sentimento de mudança em alguns deles - me refiro aqueles contaminados pelo vírus do romantismo prático; pelos outros, continuo torcendo pela próxima festa ao lado. Para os rebeldes, mesmo na lama, jogo a cartola pra cima e grito Yeeeah!!! Sempre. Não sei se Bob Dylan ainda me representa, mas Thom Yorke sim, ainda que na reunião do departamento de marketing. Admiro outros tantos nascidos nos anos 80, brasileiros, hermanos e europeus, duros e mal pagos, sonhadores e insistentes. Não sei quem será o próximo escolhido pela Companhia das Letras, mas a febre do blog já criou muitos escritores anônimos, e são esses teimosos que esbanjam vitalidade, movidos pelo desejo renovado de criar. E se eles não estão perto de você, entre no google e mande um e-mail para eles agora. Aprochegue-se e sinta-se em casa; afinal, vocês têm algo de importante em comum. O mundo está favorável à conexão interpessoal, não há mais tempo a ser gasto na sede do fã-clube oficial.

Por isso, idolatre seus amigos, divulgue suas idéias, organize um grupo de trabalho, participe de uma performance urbana, fundamente suas pequenas ações e ganhe tamanho. Numa entrevista a TV Câmara, a ex-guerrilheira Vera Sílvia Magalhães, morta no ano passado depois de uma vida de luta e mobilização política, assumiu que não se sente vitoriosa por ser da geração que lutou contra a ditadura militar. Para ela, o que de 1968 ficou de mais valioso foi a constituição de um ethos exemplar, resultado da experiência que solidificou-se em valores calcados na generosidade, na solidariedade e na colaboração. A todo momento, nossas ações podem se tornar imagens, e nossa imagens agrupadas podem virar um tecido de idéias, ou seja, um valor. Algo está surgindo, empurrando suas perninhas contra a parede do diafragma, preparando seu salto de chegada. Acredito nessa tese, mesmo que às vezes seja tomada por crises doloríficas e contas atrasadas. No mais, quem sou eu para negar uma revolucionária. Sou sua fã.




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